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A Rainha dos Festejos Juninos!


Salvem a Rainha! Para quem teve o prazer de ver em quadra e conversar com a Dona Carmem, com certeza lembra de várias histórias de amor pela sua quadrilha, e aí de quem discorda-se dela nesse quesito. Dona Carmem era assim, intensa, apaixonada e com um coração enorme, além de ser uma grande artista e mestra da cultura popular junina.


Essa entrevista foi realizada no ano de 2006 ainda para o projeto acadêmico para o livro "São João do Rio de Janeiro", me lembro da entrevista ter sido quase cancelada pela própria Dona Carmem, mas depois de muito conversarmos por telefone, finalmente a entrevista saiu e com ela uma riqueza de detalhes sobre as festas juninas e quadrilhas de outrora. Acompanhem como foi:


Nascida em 1931 no bairro do Sampaio, no Rio de Janeiro. Carmem Perrotta fundou a Quadrilha do Sampaio que veio se tornar uma referência dentro do Estado pelo belíssimo trabalho e pela sua longevidade.


Como surgiu a Quadrilha?

- No ano de 1955 chegou um padre aqui no bairro, para assumir a capela de Nossa Senhora da Conceição, seu nome era Padre Marcos, ele era uma padre novo, tanto que ficou aqui por 50 anos. Ele me chamou pois havia escutado falarem que eu gostava dessas coisas de festa, então me propôs de fazermos uma festa junina no ano seguinte.

Em 1956 comecei a reunir pessoas para fazer uma quadrilha para dançar nessa festa da Igreja. Então surgiu a Quadrilha Nossa Senhora da Conceição.

É verdade que o seu casamento foi junino?

- Eu marcava a quadrilha e minhas irmãs dançavam, e nos tínhamos um padre, que hoje deve ter quase noventa anos, e ele parecia um verdadeiro padre, tanto que nos fomos dançar no Saleziano, as crianças pediam a benção a ele, aí o padre verdadeiro do Saleziano me chamou e disse: "olha, tira esse padre. É pecado" e eu respondi, “ele não é padre não". Eu ainda tenho a primeira batina que ele usou, foi comprada na Casa Açucena, tem cinqüenta anos. Certa vez nós fomos dançar na Candelária no ano de 1959 e minha irmã era a noiva da quadrilha e o padre era gerente do banco que estava promovendo essa festa. Como era uma festa muito granfina, minha irmã com vergonha não quis dançar, e eu disse: "mas Teresa, ele é o gerente daqui" e minha irmã disse: “há ta ele quer é se mostrar que é o padre para o pessoal do trabalho dele” Então eu disse: "então me dá a roupa que eu marco a quadrilha dançando de noiva" ai dancei com o meu atual marido. Nesse dia a minha mãe também havia ido para essa festa, é o meu marido virou-se para a minha mãe depois da dança, e falou: “agora eu sou seu genro duas vezes” e depois disso a minha irmã não quis casar mais na quadrilha, e mais ninguém queria ser noiva, então fiquei sendo noiva de 1959 até 1964, quando me casei de verdade, e os meus padrinhos da quadrilha foram meus padrinhos de verdade também, começou em uma brincadeira e estamos casados a 42 anos.




O que fez a Quadrilha Nossa Senhora da Conceição mudar de nome?

- Até o ano de 1962 a nossa quadrilha dançava apenas pelo bairro, nas festas da Igreja. Até que em 1963 foi anunciado um concurso no Maracanãzinho, então resolvi participar com a quadrilha, sendo que logo após nossa apresentação, um dos responsáveis da festa cujo nome só me lembro de Azevedo, me chamou em particular e falou que ficaria chato dar o primeiro lugar para uma quadrilha da Igreja, pois naquele tempo havia um conservadorismo maior, talvez se fosse hoje, fosse diferente, mas naquela época aconteceu isso. Então esse senhor me propôs dar o primeiro lugar para a quadrilha do Melo Tênis Clube.

A Quadrilha do Melo foi fundada por um rapaz que começou a dançar aqui comigo como padre e que depois saiu e fundou essa quadrilha que ficou muito famosa na época .

Aconteceu que na hora em que a rádio anunciou o resultado dessa festa, anunciaram como campeã, a quadrilha Nossa Senhora da Conceição. Quando nós chegamos aqui no bairro, foi aquela festa, o padre abriu a igreja, sinos tocando, aquela farra.

No dia de irmos receber a premiação, aí nos deram o segundo lugar mesmo e o primeiro lugar pra quadrilha do Melo Tênis Clube.

Então como eu era diretora do departamento feminino do Clube do Sampaio, resolvi então trocar o nome da quadrilha para quadrilha do Sampaio, com isso muita gente admirou-se por eu não ter colocado o nome da quadrilha de Engenho Novo, mas aqui pertence metade da igreja ao bairro do Sampaio e metade ao bairro do Engenho Novo, e eu achei mais simpático o nome de Sampaio, essas foram às influências do nome o clube e o bairro.


Como foi a evolução da Quadrilha do Sampaio?


- Os primeiros resultados da quadrilha do Sampaio foram indo de terceiro, quarto, segundo lugar, em festas em vários lugares como Social Ramos Clube, Curtume Carioca, da Secretaria de Turismo, entre outros, até que em 1970, conquistamos o nosso primeiro lugar em um concurso oficial, foi exatamente o da Secretaria de Turismo, e nessa época tínhamos trinta e dois pares, e de lá pra cá todos os concursos oficiais eu ganhei, em 1973 ou 1974 houve um empate, onde eu fui saber o porque do empate, sendo que naquela época o concurso oficial, dava cinco pontos para os grupos que fossem com vinte e quatro pares, e nós tínhamos esse número de componentes, e o organizador disse que nós deixamos de ganhar os cinco pontos, por não termos os vinte e quatro pares, e eu brigando porque sabia que tínhamos os pares, quando eu vim descobrir que duas meninas da quadrilha tinham arrumado namorado, largaram a quadrilha e na hora da quadrilha entrar os fiscais não deixaram e dançamos com vinte e dois pares.


Como surgiam as idéias e os personagens dentro da Quadrilha?

- Dentro da quadrilha sempre utilizei coisas que lembrassem o interior, igrejinha, horta, cerca, os personagens, coronel, as quengas, os noivos entre outros, é muito difícil alguém ir ao interior e não ver personagens que sempre usei na quadrilha, tipo a casa da luz vermelha, o prefeito que geralmente é o mais importante da cidade, a filha do prefeito que é justamente a Sinhazinha, aí entra ela com a mãe, que é a mulher do prefeito, a parteira que eu também acho uma das pessoas importantes na roça, e nós sempre procuramos fazer coisas do interior, tipo o aniversário da sinhazinha, o casamento na roça, a colheita, afinal esses são motivos de festa para o pessoal da roça e assim mostrávamos na quadrilha. Eu sempre gostei de coisas do interior, eu ia muito para São Lourenço, Poços de Caldas, Barra Mansa para a casa da minha Tia, e convivia muito lá, eu lembro até que certa vez eu passei mal depois de tanto chupar cana, mas sempre gostei muito dessas coisas, já fui a um casamento na roça, lá em São Pedro D`Aldeia, do lado da casa que tenho lá, e vinham servir aqueles frangos inteiros e aí puxavam de lado, outros puxavam do outro, era muito engraçado.

- Eu buscava os personagens nessas idas ao interior e nessas minhas andanças até mesmo pelo bairro onde eu via alguém que se parecia com um personagem, eu chamava para participar da quadrilha, por exemplo, havia uma empregada que trabalhava aqui para o padre, e um dia eu vi ela sair, que ela era do interior, então eu perguntei, você vai aonde assim, e ela respondeu, há vou a uma festa na minha terra, e ela estava com as bochechas pintadas de vermelho, uma peruca com uma flor, então eu falei, há você vai dançar na minha quadrilha, e ela surpresa respondeu, mas Dona Carmem como é que eu vou? Assim mesmo, você vai fazer uma das quengas da quadrilha. Tinha também um senhor que era meu inquilino, ele andava com um chapelão de couro, e certa vez eu perguntei, o senhor vai aonde assim, e ele respondeu, há Dona Carmem, eu vou a feira dos Paraíba, e eu o peguei pra ser meu coronel, e eu ia assim pegando o povo pela rua para ser os personagens da quadrilha. Certa vez a quadrilha se apresentou no Aterro do Flamengo e tinha lá um pessoal de teatro e televisão, e após a apresentação do grupo eles vieram me perguntar “esse pessoal aí, são atores que a senhora contrata?” Aí eu respondi “não, eles são assim mesmo na vida real”.

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Eu até hoje eu marco a quadrilha com uma roupa inspirada nos costumes de se vestir do pessoal do interior. Que é um vestido que eu chamo de cheirosa, uso com uma meia soquete branca e uma sandália alta, tem muita gente que acha que essas roupas só se usavam antigamente, mas que nada, se você for hoje a Poços de Caldas, tem um bailezinho todo sábado na praça, e tem um senhor que vai lá com um chapeuzinho preto e um paletó xadrez, tiraram até meu retrato com ele quando ele me chamou para dançar. E é isso, o pessoal do interior ainda se veste assim.

Por mim a minha quadrilha se vestiria assim, como antigamente, mais meu filho diz “mãe, mas o pessoal quer ver mais um pouco de teatro, enfeitar mais a roupa”, mas por mim, seria uma roupa mais tradicional.


O que não pode faltar na quadrilha?

- O que eu acho mais importante é o casamento, acho que o casal de noivos é fundamental, já a nossa rainha tem a sua importância, pois é escolhida a menina que consegue mais votos durante a festa da igreja. Um personagem que eu não uso é a viúva, pois não acho certo uma viúva de preto dançando quadrilha.

Com a noiva, os personagens que sempre tivemos foi a rainha e a sinhazinha. Um personagem que eu já usei a uns 15 anos atrás e não uso mais se chamava tristeza do coronel, era uma brincadeira que fazíamos quando o coronel passava agarrado com as quengas, e então eu perguntava, “Agora o coronel está com as quengas, mas ele tem uma tristeza. Vocês querem saber quem é a tristeza do coronel?” Aí entrava um menino chamado Bebeto fingindo que ser gay, e com isso o publico vinha abaixo, era mais uma brincadeira para o publico rir, Hoje em dia como quase todas as quadrilhas tem homens dançando de mulher, então já não é mais uma novidade.

A Sampaio já teve o estilo salão?.

- Não. Mas acredito que a minha quadrilha teve influencia nas mudanças de figurino de roça de algumas quadrilhas para salão. Isso porque em 1975, a mãe da menina que dançava como sinhazinha, era conhecida do figurinista Eloy Machado, que fazia figurinos para as novelas da época, ele fez um vestido lindo, comprido de organdi suíço bordado, um babado lindo, mas sem armação quase nenhuma, com um chapéu tipo de sinhá-moça. Foi a primeira sinhazinha minha luxuosa, mas não tinha brilho.

Mas nesse tempo tinha uma quadrilha chamada Caixa D’Água Furada do bairro da Penha, que fazia caipira de roça, mas as roupas das damas chamavam Maria Mijona, essa quadrilha já tinha características estilizadas, isso porque usavam saias cumpridas, e os vestidos eram feitos de Cácia, pouco depois a quadrilha Show de Ramos começou a utilizar os vestidos grandes.

Uma quadrilha que eu levei um susto há uns anos atrás, foi a quadrilha Levanta Poeira, no Arraiá do Galo de Ouro, essa quadrilha era uma coisa linda, era uma quadrilha de salão, mas

não tinha as anáguas grandes demais, eram saias feitas com muitos babados, e digo com certeza que foi a quadrilha de salão mais linda que eu já vi. Houve uma quadrilha chamada Marimbondo, eu lembro que eu desci do ônibus, também no arraiá do Galo de Ouro, e vi aquela quadrilha, cheia de paetês, era brilho demais, que na época nem uma porta bandeira de escola de samba usava tanto brilho.


E o que seria o figurino tradicional?

- Considero que o figurino seja uma característica tradicional, não pode deixar de usar o xadrez para fazer camisas para os cavalheiros e o chitão estampado para fazer vestido para as damas. A roupa remendada acho até bonito, mas para crianças.

Quando a própria TV Globo convida a quadrilha, eles pedem que sejam usadas as roupas sem anágua e sem enfeites. Outro exemplo foi em 2005, quando chamaram a quadrilha para fazer o comercial de cerveja, na época da festa junina, teve que ficar de fora as roupas de rainha, florista, essas roupas mais enfeitadas ninguém foi, só com as roupas caipiras mesmo.


Acho que hoje se fantasiou demais, apesar que meu filho Márcio gosta, eu ainda prefiro as roupas de antes, os cavalheiros eram ternos, nos íamos para o brechó da igreja e comprávamos as roupas, não tinha remendo, mas era uma calça mais curta, um terno apertado. Acho que as coisas se modernizaram demais, certo era ter um meio-termo, um pouco de antigamente e um pouco de hoje.


E as festas Juninas antigamente. Como eram?

- Eram boas. As festas juninas da minha época de criança, tinha o pessoal brincando com aquelas estrelinhas, bombinhas, fogueiras, os vizinhos se reuniam aqui na Vila das Margaridas e cada um levava uma coisa: cocada e outros doces. Hoje em dia é difícil ver isso, apesar que a quadrilha quando vai a condomínios de áreas nobres aqui no Rio, ainda se vê as festas com fogueiras, cavalinho para as crianças andarem, tem tudo que deve ter nessa festa, aqui na Igreja agente ainda quer voltar a fazer a festa assim.


O que falta nas festas juninas de hoje em dia?

- O que eu sinto falta hoje é principalmente a musica junina. Chegamos nos arraiás e só escutamos essas musicas que se escuta ano todo, e o publico muitas vezes nem sai da quadra para a quadrilha se apresentar. É preciso o locutor da festa pedir para o pessoal sair. Acho isso uma falta de respeito, tem que ter música junina, então porque fazem festa com o nome de junina, julina, agostina, se não colocam musicas próprias da festa?


E como foi a evolução da quadrilha?

- Nós procuramos a cada ano fazer um trabalho diferente, não olhamos trabalho de ninguém, até porque quando as pessoas param para ver a Sampaio, eles querem ver coisas novas, então sempre nos preocupamos em colocar algo novo.

No ano de 2001, Carmen Perrotta foi coroada a Rainha dos Festejos Juninos em plena Apoteose, durante a final do Arraiá do Rio, um momento muito emocionante que temos o prazer de ter registrado em nosso acervo, como vocês podem assistir no vídeo abaixo:


Carmem Perrotta nos deixou no dia 8 de janeiro de 2011. Foi sepultada com todas as honras de uma Rainha da Cultura Popular.


A Quadrilha do Sampaio e todo seu legado cultural de 55 anos até a data da sua partida, passou a ser responsabilidade de seu filho Marcio Perrotta, que desde sua despedida apresenta a Quadrilha do Sampaio e nela conta toda odisseia de sua Rainha fundadora.

Desde a sua partida até aqui, a quadrilha passou a desenvolver temas ligados às origens dos seus brincantes e a Quadrilha do Sampaio é a Cellula Mater do Reino de Brincantes da Rainha dos Festejos Juninos.


Sua história chegou as festas carnavalescas, uma segunda paixão em sua vida. No ano de 2017 a agremiação "Difícil é o Nome" fez uma linda homenagem a sua história através do carnavalesco Sandro Gomes que também faz parte dos súditos do Reino do Cavalo Marinho. Em fevereiro de 2020 estreou no carnaval o "Cordão Carnavalesco Saudade da Rainha" um bloco de rua inteiramente dedicado a memória de Carmem Perrotta.


A Dama do Folclore e da Cultura Popular jamais será esquecida enquanto houver amor, caridade, afeto e alegria.


Deus Salve a Rainha Carmem Perrotta!! Louvada seja a sua existência entre nós. Viva a tradição e a originalidade da Quadrilha do Sampaio!


Você que sente saudades dessa grande personagem que é tão importante para a história do movimento junino do Rio de Janeiro, ou você que não teve o prazer de vê-la marcando a maravilhosa Quadrilha do Sampaio. Colocamos abaixo a participação no ano de 2000, com o também ícone da música popular brasileira que também nos deixou recentemente, o cantor e compositor Morais Moreira, no CD "Baihão com H". Confere e dance bastante com a quadrilha marcada com nossa querida Carmem Perrotta.





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